São Paulo – Carlos Matuck, 50 anos, artista plástico paulistano, tem os dois pés no Oriente. Primeiro, óbvio, por causa de suas origens: ele é neto de libaneses pelos dois lados da família. O segundo motivo não é tão óbvio assim. Matuck é fascinado por um Oriente um pouco mais além dos países árabes – a China. Uma viagem de 18 dias, ando por nove cidades, realizada em 1994 mudou sua vida para sempre. Desde então, ideogramas, pincéis e papéis chineses e traços da pintura daquele país estão presentes em suas obras.
A fascinação pela pintura chinesa – ou melhor, pelos mais variados estilos que a compõem –se justifica de várias maneiras, mas principalmente pelo inusitado. “Voltei da China com a certeza de que nada sabemos sobre a China. Não temos nenhuma referência sobre a cultura deles”, diz. A escrita chinesa também lhe atrai particularmente. Cada ideograma é uma verdadeira obra de arte. Daí poesia e pintura quase se confundem na terra de Confúcio. Matuck até chegou a estudar mandarim, mas achou difícil demais e desistiu.
No entanto, a China é apenas uma das características que permeiam seu trabalho. A versatilidade é outra – pinta, desenha, ilustra, grafita, projeta enormes painéis, instala. Quando começou a pintar, ainda menino de colégio, fazia muitos desenhos. Teve como professores seus irmãos mais velhos, Artur e Rubens – conhecido, entre outras coisas, por suas ilustrações de livros infantis. Chegou a adolescência e, com ela, o grafite – técnica que até hoje utiliza nos painéis que faz. A faculdade de arquitetura ficou incompleta. Não teve formação acadêmica, talvez daí venha sua versatilidade.
Hoje, muitos de seus trabalhos podem ser vistos por São Paulo. Seja dentro de um SESC, seja nas livrarias Cultura, onde há enormes painéis. Faz também muito trabalho encomendado por arquitetos. Isso sem contar as exposições que faz de quando em quando. Paralelamente, a cabeça fica a mil com seus projetos particulares.
Os prisioneiros
Além dos ideogramas, Matuck tem outra paixão – fotografia. Muitos trabalhos começaram a partir de uma foto. “Já fui muito ao centro de São Paulo tirar fotos para depois pintar”. O que ele não gosta é de ficar parado num canto da cidade pintando a paisagem. “Isso me angustia”. Fica mesmo é com a foto. Seu local de trabalho é um ateliê no Embu das Artes, nos arredores de São Paulo.
Um de seus projetos atuais tem como base retratos de prisioneiros do final do século XIX e do começo do século XX. Tudo começou com um livro de fotos de prisioneiros americanos. Depois de fazer diversos estudos dos rostos dos presos – de frente e de perfil – caiu a ficha: por que não fazer sobre prisioneiros brasileiros? Foi atrás de uma penitenciária de São Paulo e após dois anos de muita insistência, burocracia e “nãos”, teve o ao material. Ele sabe que tem um tesouro em mãos, que pode se transformar em uma bela exposição. Mas enquanto ainda esbarra em burocracia, usa o material para fazer mais estudos que ele nomeou de “Retratos sinaléticos”.
A fotografia também é o seu maior elo com a família. É ele o guardião do material iconográfico da família Matuck. Um dia – diz o artista – ele ainda há de fazer um trabalho inspirado no álbum de família.
Ao olhar as fotos, ele vai se lembrando da família gigante que ele tinha quando criança. As tias árabes e suas palavras carinhosas. “Elas eram cheias de expressões como ‘meu coração’ ou ‘meus olhos’”, recorda. “Por isso até hoje eu só sei falar palavrão e palavras carinhosas em árabe”. De todas as heranças da família, a culinária libanesa é a mais presente ainda hoje. “Essa coisa de juntar a família para comer é bem característica de povos gregários. Uma herança dos tempos em que se vivia em aldeias.” Hoje, a única diferença é que a família vem diminuindo. Ele mesmo, Matuck, tem apenas uma filha.
Os nomes
As fotos em preto e branco o fazem recordar dos nomes de cada tio e tia. Os nomes, aliás, rendem histórias pitorescas na família, como a tia Nazira que os meninos chamavam de “Nariza” ou a tia Adibe que foi convocada para o exército e teve que ir lá se apresentar e provar que era mulher. Adib com E no final é feminino. Mas o exército brasileiro só se convenceu disso ao vê-la.
Fora a simplificação – ou adaptação aos nomes locais. Sua mãe, por exemplo, Esther Abboud Simão Matuck sempre foi chamada de Zizinha. Já os bisavós maternos, Eid e Nemere, ganharam nomes brasileiros: Joaquim e Julia.
Na família, a veia artística já corria solta nas gerações anteriores. “Meu avô paterno gostava de marcenaria. As suas ferramentas ficaram com tio Jorge, que se tornou um artista popular, com trabalhos muito interessantes e diferentes”, conta ele. “Do lado da minha mãe (família Jubran) também havia gente que gostava de trabalhar com as mãos, inclusive a minha mãe. Ela gostava de pintar e temos uns poucos quadros dela guardados”.
Matuck tem uma exposição planejada para março de 2010 na galeria Graphias – Casa da Gravura, em São Paulo. Mas quem quiser conhecer melhor o trabalho do artista ainda em 2009, é só ar o site dele: http://www.carlosmatuck.com.br/.